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Obesidade e diabetes podem ser transmitidas para a criança

Obesidade e diabetes podem ser transmitidas para a criança durante a gravidez, reforça estudo
Publicado na revista Nature Reviews Endocrinology, artigo de pesquisador do ICB-USP valida essa tese ao explorar o papel de dois hormônios do tecido adiposo.

Obesidade, diabetes e outros desequilíbrios metabólicos durante a gravidez podem causar problemas similares à criança no futuro. É o aponta um estudo publicado na revista Nature Reviews Endocrinology, de autoria do professor José Donato Junior, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), onde coordena o Laboratório de Neuroanatomia Funcional. O trabalho reúne os principais estudos relacionados ao mecanismo de ação de dois hormônios, a leptina e a adiponectina, e seu efeito transgeracional — de uma geração para outra — observado durante a gestação.

Originadas no tecido adiposo, as substâncias atuam no controle de aspectos metabólicos do organismo. A leptina contribui para a regulação da fome e do peso e seu desequilíbrio pode resultar em hiperfagia — ingestão exagerada de alimentos e a consequente obesidade. Já a adiponectina ajuda a regular a quantidade de glicose no sangue, e, quando escassa, pode favorecer o surgimento de diabetes. Se ocorrerem durante a gestação, esses desequilíbrios podem ser transferidos da mãe para o embrião ou para a criança sobretudo nos primeiros dois anos de vida.

No caso da adiponectina, o excesso ou falta da substância causam efeitos diversos, seja na mãe ou no feto. “A escassez de adiponectina causa excesso de glicose no sangue, o que pode desencadear o diabetes. Por outro lado, na placenta a escassez aumentaria a captação de nutrientes pelo feto, também comprometendo o seu desenvolvimento”, comenta Donato.

Em relação à leptina, o pesquisador destaca um experimento, citado no artigo, em que esses mecanismos foram observados.No estudo em questão publicado em junho de 2019, foi produzido um camundongo que não tinha o receptor de leptina funcionando corretamente. Quando o animal chegou à idade adulta, foi injetada uma droga que alterou seu DNA, reativando o receptor. O animal desenvolveu obesidade, causada pela falta de leptina durante o período intrauterino e pós-natal, além de apresentar várias alterações metabólicas, como a redução de gasto energético.

“Observamos que, no caso do camundongo, se você der uma dieta normal, ele come como um animal normal. Mas se você oferecer uma dieta hipercalórica, com alimentos com alta densidade energética, como frituras, ele se torna hiperfágico, ou seja, come de forma exagerada”, conta.

Ciclo vicioso — Alterações que afetam os dois primeiros anos do desenvolvimento de uma criança têm impactos a longo prazo em vários tecidos metabolicamente ativos ou diretamente relacionados ao controle do metabolismo. É um período de desenvolvimento acelerado de vários órgãos, incluindo o sistema nervoso.

“Os primeiros dois anos são um período crítico”, explica Donato. “Nele, tanto a falta como o excesso de leptina podem predispor o indivíduo a um gosto por hipercalóricos. Isso, somado a um também provável menor gasto de energia, pode ocasionar o acúmulo de gordura no organismo.”

Para exemplificar, o professor traz o conceito de “fenótipo econômico”. “O termo surgiu quando pesquisadores observaram, nas décadas de 1940 e 1950, que filhos de mães desnutridas apresentavam maior risco de obesidade no futuro, apesar de terem nascido com tamanho menor do que a média”, conta. “A teoria por trás disso é que durante essa fase crítica de desenvolvimento, as células aprendem a trabalhar em um nível de economia alto, e quando há fartura de alimentos ainda economizam energia”.

Além da mãe, o pai também pode transmitir problemas metabólicos à criança. Isso ocorre por meio de mecanismos chamados epigenéticos, que são modificações na forma como o DNA está organizado — e não na sequência genética em si. “Essas modificações envolvem proteínas e ligações que podem tornar certas áreas do genoma mais propensas a serem transcritas do que outras”, diz o professor. “Esses estudos, de certa maneira, nos ajudam a entender por que estamos em um ciclo vicioso, no qual quanto mais problemas metabólicos a população tem, maior o risco de a geração seguinte ter também”.

Mudança nos hábitos — A linha de estudos também aponta para a importância da prevenção de doenças metabólicas na população. Donato explica que, em casos de mães que tiveram filhos antes e depois de uma cirurgia bariátrica, por exemplo, o procedimento ajudou a reduzir o risco de problemas na segunda criança. Por isso, o reconhecimento de obesidade e diabetes como fatores de risco é, por si só, um importante passo.

“Hoje em dia, quando vemos uma mulher fumando ou bebendo durante a gravidez, ficamos em alerta quanto aos perigos disso. Fazemos exames pré-natal, usamos vitaminas com ácido fólico”, diz. “Da mesma forma, devemos adotar procedimentos de controle de doenças metabólicas. A partir daí, pode-se pensar no desenvolvimento de fármacos e outros mecanismos de ação”.

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